sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O BAR






O BAR


…O som entrava no corpo e consumia a mente, sem querer aquele taberneiro tinha feito a escolha mais acertada da vida dele! E nós o admirávamos por isso…o ambiente deserto fez disparar a química abrupta que nos envolvia…e aos poucos senti o teu corpo contra o meu…pleno, firme, numa dança continua e sem mundo, sem chão, só nós!

A luz sombria que nos envolvia convidava á volúpia, ao acaso, ao eterno! Aquela guitarra ecoava no mais íntimo de nós…e como nos prendia!

Sentamo-nos novamente, o barista serve-nos mais uma bebida, entram mais pessoas e a sala enche-se de vozes, de murmúrios, mas eu só te ouço a ti. A música dissipa-se no ar e a tua voz envolvente mata-me aos poucos, deixando-me completamente a latejar e sem forças…sinto que nem o mais forte dos terramotos desviaria a minha atenção de ti…

Tu não querias ir já para casa e eu não tinha casa para ir, a envolvência do teu olhar era mais que isso, mais que qualquer casa, que qualquer  teto, e aquele bar era perfeito..humm…se era!

O vento lá fora sussurra palavras de traição, emana vícios, limpa rastos….mas nós não queremos ir, nós não somos os outros, nós não somos nós, somos o tu no eu , somos o que queremos, quando queremos sê-lo…mas o vento teima em nos levar…sinto a tua mão a puxar-me forte contra ti, a tua boca no meu pescoço e as tuas mãos firmes na minha cintura, levam-me novamente para fora da alma, para uma dimensão nunca antes alcançada…e eu rendo-me, e tu invades-me, aos poucos, lentamente…

Mas…não estamos sozinhos, temos as almas do passado junto a nós…temos os nossos deuses sempre presentes, enquanto dançamos, enquanto nos cruzamos, a cada toque a cada afago, eles estão lá…cada pedaço deles está em ti, está em mim…e os procuras, tu sabes que sim, e eles se manifestam…mas essa busca incessante te lança na espada e mais uma vez te vergas a ela, e ela te subjuga! A música não pára, e o dia nasce…o espirito prevalece e nós também…nós vamos embora, mas a nossa música ficará para todo o sempre!

O espirito é eterno e permanece,  sempre…naquele BAR!

 a matéria não me sustenta!

Da tua Janela...





















Da tua janela eu me revejo, me reinvento 
da tua janela vejo um mar só meu
Não fora esse parapeito, esse intento
desapareceria no que se prometeu.

Promessas eternas de mel cobertas
perdia-me aqui e no sal ficava
para vê-las um dia descobertas
pelo sol e o perfume que emanava!

Se um dia por aqui passares,
leva a minha alma contigo
alegre no monte e a cantares
jura-me que te assomas ao postigo!

Ficaria para sempre aqui
de mistérios estaria rodeada
e quando procurasses por mim
de poções estaria encantada!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O teu murmúrio







O Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto



2 versões a inicial do Vitorino e a que se segue dos A Naífa







Eu que me comovo


Por tudo e por nada

Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada

António Lobo Antunes (Escritor e Poeta português, 1942 )



ao que zenite responderia: 


sim, quinze anos tinha
no seu corpo em brasa
a tal senhorinha
que não tinha casa.
tinha tranças d’oiro
e a pele alvacenta
tu foste o primeiro
a arrastar-lhe a asa
naquele janeiro
dos anos setenta.

ela pai não teve
sequer tinha mãe
não tinha sapatos
não tinha vestidos
não tinha ninguém
só dias sofridos.

não havia lua
não havia estrelas
e não tinha abrigo,
a casa era a rua
da pobre donzela
que não tinha amigos.

o seu corpo grácil
de pele de alabastro
jamais resvalado
não tinha cadastro
mas foi presa fácil
dum lobo esfaimado.

se um dia voltares
à estrada velha
no negrume agreste,
detém-te e descobre-te,
acende uma vela:

verás numa faia
- ou “feral cipreste”? -
a seta-coração
bem como a mensagem
que a bela catraia
em aflito pranto
no tronco entalhou
nessa noite túmulo
do seu corpo espanto.
verás, para cúmulo,
que foste o primeiro
e também o último
a dar-lhe dinheiro.